quinta-feira, 12 de julho de 2012

Estamos indo de volta pra casa

É! Nascemos, crescemos, morremos e, enfim, voltamos pra casa. Vasculhamos, desejamos, rompemos, mas todas as conquistas, novidades, ambições, alegrias e tristezas, nos trazem de volta a nossa base. É como se o mundo girasse em torno de sua base e princípio, numa elipse centrífuga, e voltasse pra sua origem. Como se a vida se voltasse ao pecado original, ao útero, a mãe, a mulher.

Tudo isso pra dizer que voltei pra casa e me sinto livre, ao contrário do que sempre pensei que ocorreria. Veni, vidi, vici, fiz tudo o que fiz, o que quis, amei, fiz amigos lindos, conquistas profissionais, autonomias, felicidades, e volto pra casa com conquistas, sorrisos, marcas e eternas histórias a serem contadas. Como Césares, conquistar o mundo é a razão de voltar para casa. E eis-me aqui, bolsos cheios de mundo, sorriso cheio de mundo, e o regresso.

O amor estabiliza, centra, e acho que por isso não preciso mais ficar vasculhando e desbravando à procura do meu Santo Graal. Já tenho meu cálice, meu útero, meu porto seguro e posso regressar. Não a nada mais a ser procurado.




sexta-feira, 4 de maio de 2012

Kafkando

Quem nunca entendeu Kafka de dentro pra fora que atire a primeira pedra. Quem nunca acordou uma barata pare agora de ler, pare até de viver, algo de errado há com você. Sentir-se desprezível, um verme, um completo idiota faz parte da vida. Descobrir que não está em sintonia, que Maria ama João, que ama Ana, que deveria amar ninguém e não ama mesmo faz parte da vida. Passo uns dias de Kafka desde quarta. Olho no espelho e aprecio com certo asco as patas finas e serrilhadas, o abdômen frágil pronto a explodir em gosma amarelada à primeira pisada, as asas cascudas que se movem num barulho estranho. O cheiro é que incomoda, de inseto, de Baygon, eu sei lá.

Pacato, meu filhote loiro e rosado, é caseiro, vai a varanda pegar um Sol, se emaranhar na mangueira enrolada, mas volta pra se enroscar comigo e dormir. Lambão também adora dormir aos meus pés, mas gosta de grandes voltas sei lá por que telhados - nunca no chão.

Penso em voltar  ao método Vidal para assimilação da passividade, agora módulo 2, consistindo em manter as unhas feitas, mas afiadas. Tenho vontade de rasgar coisas, ver sangue brotando discretamente da frágil pele, e continuar ignorando a louça. Ignorar a louça é um dom que me causa aquele mix de orgulho e vergonha: é como ter super poderes, mas ser uma pessoa modesta demais para se vangloriar deles. Sou a Clark Kent da arte de fazer nada. Uma vez me perguntaram por que Superman usa um S em seu uniforme. Pensei um pouco no assunto, na época ainda não tinha SmallVille pra responder, então me ocorreu que os adjetivos valem mais que o sujeito, que ser super é mais importante que ser homem. E podemos ser super em muita coisas, medíocres em outras, mas nunca seremos o que o outro deseja, espera, muito menos ocuparemos um espaço já ocupado por outro. Ah, corações e seus donos... Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, e pra isso nem superman da jeito.

Mas me orgulho de kafkar, de as vezes tomar consciência, queria até alguém que kafkasse comigo, que entendesse, que gostasse. Gosta de tudo o que eu gosto? Sim! (Ufa, enfim!!!)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Esquecimentos

Ela ainda se lembra. Gostava de ir a escola com uma bermuda jeans, a qual dobrava a barra para encurtar. O curto de sua bermuda é o longo das meninas de hoje, mas ainda assim a inspetora de alunos uma vez a fez desdobra-la. De sempre dobrados as duas partes do jeans tinham cores desiguais, e aquilo pra ela era puro constrangimento. De tanta pressa em sair para o páteo e dobrá-los de novo, caiu do último degrau com ambos os jooelhos ao chão. Nunca foi de dobrar os joelhos, mas sempre tinha pressa.

Lembra do cheiro de dama da noite, do rádio que ouvia junto à Lua, do pensamento longe, da fantasia de dominar os ventos, da expectativa em vê-lo, do medo do beijo. Ele era pouco mais alto, pouco mais velho - o que pra idade era muito -, tinha a pele morena e um jeito tipico latino de malícia e sedução. Suas mãos eram espertas e sempre encaixadas, e sua boca macia, muito, e quente. Usava aparelho nos dentes, ela tinha vontade de senti-lo com a língua, mas tinha medo - só depois de adulta foi realizar essa fantasia de circular a língua por um aparelho dentário. Nem sempre ia vê-la, nem sempre ela lhe dava atenção, mas até hoje o cheiro de dama da noite a excita.

E pensava nisso enquanto a taça de vinho branco esvaziava-se: no tempo! Vivia do tempo, em combate-lo, em distrai-lo, em não dar-lhe descanso. Estava cansada. Por debaixo da mesa de jantar de vidro via o tapete cru, o piso claro, e ao seu redor um silencio clean de luz branca e fria. Sempre se reconfortou no espaço vazio. Ela deixou tudo à mesa, prato, taça, revista, e foi escovar os dentes. Ele não, dobra o jornal, retira se prato, enxagua, põe na máquina, pega novamente o jornal e senta-se novamente em sua cadeira na sala de jantar. Do quarto ela parece vê-lo, muito alinhado em seu roupão verde, e mocassim nude de couro macio e aveludado. É um homem limpo, alto e estreito. Ela não entendia muito bem como se casou com um homem de óculos de armação grande e de grife, muito menos como se tornara um mulher de pijama risca de giz e pantufas. Odiava pantufas, mas naquela noite quis fazer amor sem tira-las.  

Ele a conhecia, sabia, não errava. Ela se sentia como um mapa na mão de um cartógrafo, estava descoberta, exposta, e aquilo também era seguro. Era bom saber-se entendida e dominada, não lhe passava pela cabeça ser desbravada como terra de ninguém. Tinha nome, classificação e um standard cravado em seu monte.  Olhou para o teto branco, as paredes brancas, gemeu contorcida, determinando-se em pinta-las. Um centímetro de ponto preto em movimento na quina da parede a estarreceu. Uma aranha. Não, uma aranha capturando uma mosca. Não, não era possível, também não era possível que seu quarto fosse âmbar, mas aquilo não saía de sua vista. Quando por fim gozou, sentiu pena da mosca já fechada em casulo, mas era linda sua aranha. Não, não mudaria a cor das paredes de seu quarto, mas adoraria lâmpadas novas. Por fim, tirou as pantufas e sossegou-se. Dormiu esquecendo mais um tempo que ía.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Passagem

Gosto de gostares, poucos, e um dos meus gostos é estar no metrô da Sé ou da República umas 23h30. Ontem o fiz, na Sé. Me faz lembrar coisas que fiz e não faço mais, coisas que fui e não mais sou. É um momento e horário em que gosto de ver gente, são interessantes: os estudantes que voltam pra casa, as namoradas que se despedem nas baldeações, a galera que volta dos happy hour nos barezinhos GLS levemente over encantadores dos quais até sinto falta, conversas, cansaços gostosos... Gente muito boa a galera do metrô da Sé às 23h30.

Curiosamente, sempre tem uma despedida lésbica em alguma escada ou entrada de vagão. Um desses beijos curtos, mas honestos, que me fazem sempre olhar fixamente. Ainda não sei muito bem o motivo: cumplicidade, curiosidade, surpresa, inveja, reprovação. Nunca beijei assim em público. E ao escrever nunca, até parei pra pensar melhor no assunto. Nunca? E continuo aqui pensando, mas não, acho que não, acho que me dei por satisfeita em beijar em bares, sem contar que minha mãe acha que intimidades assim, gay ou hétero, são desnecessárias em público.

Então eu olho! Aliás, olho tudo: o jornal do cara ao lado, presto atenção descaradamente na conversa alheia, leio junto as mensagem no celular. Sempre fui fácil de distrair, todas as professoras em reunião com os pais diziam isso, e sou assim até hoje. Divago ao menor sinal, durante aulas, durante conversas, escrevendo, divago nas divagações. Mas divagar durante conversas sempre foi o pior: ouço, ouço, ouço e ouço nada, de repente uma palavra-chave que me puxa de volta e eu: não entendi, repete essa parte!!! Não é digno, claro, mas sou eu. Pior quando a história se conclui e fica aquele segundo de silêncio onde se espera minha opinião: as vezes sou um vazio honesto e óbvio, outras sou uma tangente inteligente, o que e fácil, pq parece que os assuntos são os mesmos, o mundo gira em torno de si e sempre volta. Pelo menos me mantenho fisicamente disponível: outro dia vi um amigo começar a girar uma bolinha de gude na mesa, durante um atendimento, e fiquei aliviada em ver que não sou um caso perdido.

No final das contas, ontem me dei conta que adoraria trabalhar a noite. Sair para trabalhar às 23h30 via Metrô da Sé, ver pessoas e suas mochilas cheias de expectativas, as lesbiquinhas cada vez mais jovens cheias de amor e atitude, e voltar pra casa no fim da madrugada, quando o metrô reabre, os encapados matrix voltam das baladas, os meninos se recostam, os pálidos conversam, e os cosplayers circulam sem serem notados. É em momentos assim que sinto vida entrar pelos pulmões.

É, amo São Paulo!


sexta-feira, 30 de março de 2012

Que Suzanne?

A certeza de que serei uma memória esquecida me ronda e a súbita sensação de inexistência me deixa insone.

Eu penso! Penso, aliás, coisas. Em por do Sol de outono, em gatos deitados na grama em fim de tarde de Outono. Penso em bancos de praça, em você, em mim, na certeza do nunca, no medo do talvez.

E ouço sua voz em rotinas, como quem enxuga a louça que lavo, como quem resume seu dia antes de dormir. Não, nós não dormiremos. Os gatos dormem, você dormirá, e eu sentinelo este momento, como se meu piscar desse ao mundo a oportunidade de orbitar em normalidade. Eu me recuso! Não quero o normal, não quero acordar amanhã e me rever lúcida. Quero esse revirado, esse mexido, o vasculhado de mim, o escancarado. Quero até todos os medos zanzando em minha cabeça, e esse súbito de que a felicidade certa de hoje será a lembrança amena de amanhã, um olhar vago de passado, uma névoa que dissipa e some. E quando perguntarem de mim, onde ando, o que virei, em sua mente apenas um franzir de testa: "Que Suzanne?"

Que nunca mais eu durma! Liguem as tvs, os alarmes, soltem as trombetas, os bebês assustados, os cachorros. Gritem e protestem. Batam panelas. O mundo não pode voltar ao seu eixo. Me deixem correr, me deixem lutar, me deixem enlouquecer: quero um mundo ao contrário. Quero que o inevitável morra.





quarta-feira, 14 de março de 2012

Cadê você pra fazer de novo quando parar de doer?

Entro em casa e os gatos vão bem: alimentados, brincando, distraídos. Até fazem certa festa, mas fico feliz em perceber que Lambão não se sentiu só, que está feliz com sua nova companhia.

Einstein diz que loucura é fazer as mesmas coisas repetidas vezes esperando resultados diferentes. Bom, isso eu vi assistindo Big Bang Theory, não sou especialista em citações de internet, muito menos em Einstein, só sei que me dei conta que todos os dias eram dias que passavam em branco, em deduções protegidas pela obviedade alheia, na inteligência da zona de conforto, dos relacionamentos vazios e seguros. Ocorre que o óbvio e seguro não traz a felicidade maior que o da ração nossa de cada dia, e eu já não me basto. Não quero mais ser o ápice da minha existência, nem a protagonista do meu humor, ser a única que me diverte. Não quero mais ser a pessoa a quem mais admiro, nem quero me entediar com os outros: quero você! E você é o que de mais diferente eu poderia ter, e por você, Einstein me fez mudar minha realidade.

Não me parece irreal fazer as malas e voar, não me parece absurdo não estar no meu solo firme. Gostar dos gostares, gostar dos amigos, sentir-se em casa e livre, tremer no primeiro beijo, no segundo, no terceiro. Sorrir dos sorrisos, arrepiar ao toque, abraçar à luz da Lua. Deixar cair todos os véus e ver-se virgem em sua própria verdade. E ninguém deveria se privar disso - aí está o princípio da vida!

E cada toque é um novo sentir, cada dor é mais verdadeira, cada gozo é mais claro e nítido, cada beijo tem em si o alívio de se fazer o que se deve fazer. Fecho os olhos e ouço as gargalhadas, os gemidos, os olhares que se consomem e entendem. Ouço os toques, os abraços, os suspiros, ouço o que foi dito e o não dito, ouço todas as verdades que saltaram aos meus olhos que nunca viram antes: era um nascimento, um casamento, um pacto.

E em casa, os gatos bem, as coisas em ordem, a vida toda justa e perfeita, me salta à vista a pergunta da qual por toda minha vida eu fugi: Cadê você pra fazer de novo quando parar de doer? Jogando tudo pro alto, benzinho!




segunda-feira, 5 de março de 2012

Paca, tatu, cotia não!

E a capivara me fez escrever. Vi uma morta na entrada de São Paulo, logicamente atropelada, o sangue rosado escorrido das narinas, e um rapaz tirando uma foto com seu celular, talvez abismado com aquele bicho estranho. Senti pena. Pena pq o bicho sobreviveu ao rio sujo, à fome, às doenças. Deveria ter sentido pena do rapaz que tirava a foto: por não ter tido infância, por não ter respeito, mas por ele sinto certa indiferença infame.

Não me importa que pessoas morram. Num crescimento endêmico como o nosso, morrer é comum como respirar. Digamos aí que somos já 7 bilhões no planeta, de todos os sexos, cores e raças, nascemos e morremos aos milhares e isso não muda os números, nem a vida que segue. Não me importo que relacionamentos acabem, o próximo é sempre melhor. Sempre! Mas os bichinhos inocentes perdidos nesse mundo besta, ah, isso me choca!

E continuei meu curso indignada com as mortes bestas provocadas por uma vida sem sentido. Alguém vê sentido em alguma coisa? Nós continuamos a vida pq a vida condiciona, catequiza, mas eu duvido que alguém viva por entender o sentido do viver. Admito viver em uma Matrix, admito que não entendo o universo em que estou inserida e que faço parte da massa que mantém a estrutura atual funcionando. Minha vida é voltada a manter o estado das coisas, e disso sinto orgulho e culpa. L'etat c'est moi, represento sua vontade, os interesses sociais, e minha função é causar a sensação de segurança e normalidade. Sensação! Abstrata como o Estado, abstrato como vc e eu.

Mas não podemos cotiar - eu adoro! Adoro mudar de idéia, enjoar do que to fazendo, deixar pra trás. Talvez por saber que vou mudar, penso muito pra tomar decisões. Não por insegurança, mas por pena das opções preteridas. Sempre tenho ótimas opções a fazer. As vezes faço escolhas e vejo as outras opções se desfazendo na inexistência. É como abortar possibilidades, coisas que poderiam ser e não foram. Adoraria que os universos paralelos existissem. Assisti "o efeito borboleta", não compro pra não enlouquecer, mas adoraria que essa realidade fizesse parte da ficção que vivo hoje.

Adotei mais um gato, filhote, e Lambão adorou. Emburra muito, mas pulam e correm pela casa toda numa felicidade só. Isso sim é real e tangível, diferente de qualquer possibilidade de escolha que façamos.

Gosto de fingir que faço escolhas. Essa semana viverei uma, um pedacinho de universo paralelo, só pra sentir que estou viva. Sensação. Estar viva também é abstrato!