segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

The New Adventures of Old Suzanne

Ah, adorava Seinfeld. Muito!!! Por pequenos muitos motivos, maioria nem saberia elencar agora, mas diria por dois motivos básicos: foi uma das primeira séries na minha primeira incursão à TV paga. Segundo, a série era sobre nada.

Eu achava o máximo! Nossa, uma série sobre nada! E muitas vezes meu melhor amigo (que perdi contato) e eu passeávamos e discutíamos por horas sobre o nosso nada e o nada do mundo. Quando então comprei o carro, colocava cinco reais de gasolina (sim, sou do tempo que isso bastava) e dávamos grandes voltas pela cidade e muitos nadas aconteciam. Uma vez conversávamos sobre o livro que escreveria, sobre o nada de minha vida, e tentamos então definir qual seria seu título. Olhava as luzes dos postes abaixo- carro parado e visual lindo - as luzes de um céu perfeito e grande acima, e me ocorreu que escreveria para a luz. Ele: luz?!. Sim, oras, À luz do belo olhar que nunca veio. Eu tinha dezoito anos e sabia que tudo o que poderia escrever seria uma homenagem ao que nunca foi e nunca seria.

Mas Seinfeld era sobre nada e eu achava a série cult. Era meramente popular, mas achava inteligente gostar, e gostava de verdade. Então, de uma hora pra outra, vários anos de nada passados, eis que surge The New Aventures of Old Christine. Por Deus, Julia Louis-Dreyfus voltou! E fez o que nenhum Jedi faria: o melhor ridículo identificável do mundo.

Assisto aos episódios e cada maior absurdo e neurose me faz rir dos meus próprios defeitos e fracassos. Uma mulher confusa de seus sentimentos, desejos, ambições, incoerente na essência, confusa sobre a realidade da vida, indefesa quanto a crueldade de sua própria mente. Não sabe lidar consigo, com os outros, com o mundo. Insegura, indecisa, indeterminada, preguiçosa, perdida, bêbada. Debochada, ridícula, julgada, complexada, alienada, inconsequente, preceptada, vazia e sem nada de efetivo para dizer.

Eu a adoro! É a prova de que nada existe, nada sou, que absolutamente não posso me levar a sério, que sim, sou patética, que o mundo me devora e que sou só uma fraca e desprotegida. Ter a certeza disso, toda vez que assimilo isso por um segundo que seja, um grande alívio e paz me toma o corpo e a mente: não se levar a sério leva ao estado de Buda. Vou trocar minha imagem de Gandhi por uma do Bozo.

Pensando no nada ser, no admitir seus fracassos, na Christine e na Elaine (de Seinfeld), lembrei desse trecho do episódio de Old Christine em que ela declara ser independente, confiante, e absolutamente não precisar de ninguém. Ri muito da minha autosuficiência! Ah, tá! (e no melhor estilo Lucille Ball de ser, e que eu invejo).

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sim, eu te desprezo!!

É aquela rotina que se repete todos os dias: acordar, trabalhar, fantasiar sobre sexo no trânsito, fazer ou não fazer sexo, fazer escolhas. Escolhas, escolhas, tenho problema com escolhas...

Primeiro escolher quem eu sou, a imagem que eu tenho, o que eu represento às pessoas. Somos vários: como nos vemos, como nos vêem, como somos realmente. E isso gera uma série de desencontros, base pra grandes confusões, bons filmes europeus, algumas lágrimas, anos de terapia.

Enfim, escolhemos como queremos ser, e vestimos aquela fantasia que nos adere a ponto se de tornar uma nova pele. Roupa em cima de roupa, muitas camadas de você (olha eu com a síndrome da cebola de novo), e você é o que não é, imprime uma marca que não tem, vende um peixe que certamente vai feder: uma hora será cobrada por um personagem que, no íntimo, é apenas uma completa estranha que você não quer ser.

Mas vai, digamos aí que mantenho bem administradas todas as ilustres imagens, funções e personalidades. E banco muito bem paga a forte, inteligente, superior, que no fundo sabe que ali pagando de gostoso está apenas um merda. Ah, que delícia!! Não dizer nada e saber que ali, na sua frente, aquela figura patética sabe que você despreza e repudia aquela imagem mal vendida de bem sucedido.

É a tal da imagem superior. Quando você passa a vida se esforçando muito pouco pra ter reconhecido um certo talento, ganha grátis da vida uma certa aptidão pra arrogância dissimulada, as vezes descontrolada, acompanhada do arzinho superior, distante, intimidante e ausente. Mas é justamente essa silhueta de força e desdém o ponto fraco desta figura autônoma: o fodão-merda precisa destruir!

Certa vez assisti esse Saia Justa, que abaixo posto o trecho que me chamou a atenção. Sou vítima de um fodão-merda.  É um mix de assédio moral com dúvidas sobre minha própria capacidade. Mas acho que o grande barato de assediar moralmente alguém é sutilmente minar sua estrutura de forma sistemática e desapercebida e, em caso de reação da vítima, ter ainda a possibilidade de passar-se por agredido. Um grande talento, a brilhante arte da guerra, que nenhuma personagem minha tem, que desprezo, mas acho brilhante - baixo, cármico, mas brilhante: precisa ter talento pra ser malvado.

Eu olho pro meu personal fodão-merda e sei que ele sabe que eu sei que ele é uma figura patética. Ele, por sua vez, tem o talento de abafar o meu, quase um travesseiro que me sufoca. É cansativo, exige que eu me esforce muito mais para reafirmar que posso muito mais, me deixa as vezes exausta. Por hora, o fato de eu estar no jogo significa que eu tenho ganho as partidas. Por outro, por que mesmo estou jogando?

É a sutilidade, a crítica velada, a palavra não dita, a dissimulação, que gera o grande ódio do qual quase não mais consigo escapar. Uma vez numa discussão, minha mãe disse à sua oponente: "Não vou te dizer um ultraje, mas penetra no meu pensamento e sinta-se ofendida da pior maneira possível". A mulher enlouqueceu, ficou altamente humilhada e ofendida. É brilhante! A palavra não dita é a que mais ofende, maltrata e nos consome a alma. Por outro lado, é a que provoca as reações mais agressivas, sistemáticas e de longo prazo. Acho que o arzinho de superioridade me tem colocado em risco. Tá na hora se sentar pra uma conversa franca com meu ilustre fodão: vai tomar no cu, seu merda!










segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sexo verbal não faz meu estilo (mentira!!!!!)

Tanta coisa que poderia ser dita hoje: do gozo tido, do contido, dos medos e aflições do dia seguinte, da mania masculina de achar que sexo a força é válido - NÃO, NÃO É - das amizades, similaridades e divergências, gemidos. Ah, sim, poderia falar de gemidos: a sincronia da respiração, o som que invade, antagoniza com toda a razão, domina e leva, induz, conduz e ensina. Ah, os gemidos: os pedidos, os suplícios, a palavra não dita, os segredos revelados, a música que invade e leva pra lá, bem lá, onde ninguém mais entra senão pelo mesmo som, desejo e harmonia.
É, hoje não to romântica! Não falo de gemidos com desejo, apenas cumpro uma certa tabela que não me excita. Deve ser assim com os homens e a mania de falar em sexo: não o fazem  por real excitação e desejo, mas para cumprir tabela máscula. No fundo é vazio e desnecessário. É, hoje tô pra outra coisa.
Dia atípico: notícias estranhas, amigas abertas, segredos ditos, segredos não ditos, impotência e confusão. Não posso resolver, não posso amar, confesso o que não ligo, nego até a morte o que posso. Um desses joguinhos suzannísticos que tão bem sei, que só eu determino as regras e que sempre, sempre, sempre, indubitavelmente, perco.
Indubitavelmente! E eu rindo aqui, palavra engraçada, de onde saio com essas? Ai, ai, o que nesse mundo é assim tão formalmente incontestável? Nem eu, muito menos eu, absolutamente eu que não. Sou patética, dessas tímidas que se encolhem e emudecem, pudicas e preservadas, ao som de qualquer questionamento. Digo sim, mudo de idéia, cedo, rasgo, creio que de verdade decepciono. E quem espera de mim uma grande heroína de folhetim lésbico, encontra enfim a mocinha amarrada aos trilhos, pronta para ser salva. Toda heroína precisa de outra, e meu peito não é de aço. Não, é pura manteiga! Só que não choro, só sangro, e isso é muito introspectivo.

"O amor me pegou e não descanso até pegar aquela criatura". Essa música não me sai da cabeça. Escapei do morno um pouquinho, duas vezes,  minha mãe chama de masturbação mental, ainda que se referindo a outra coisa - pensar bobagens - eu chamo sei lá eu de quê, de me aventurar nas verdades que há em mim, e que brocham a cada vez que a realidade se estampa na minha porta. Porque eu não posso ser real quando a realidade me acompanha. Não posso ser real de carne e osso, é demais pra mim, a realidade é meu personagem e não posso corrompe-lo. Não esperem que realmente eu seja o que sou - não, eu não sou. Eu sou morna, confusa, vazia e assustada, apática e triste. Eu não sou uma figura espirituosa, aberta, franca e no controle. Mentira! Tenho tudo tão guardado em camadas, camadas de cebola, dessas que fazem chorar... então não mexo, reservo. Me reservo ao direito de ser nada!


Mas será? "Será que ela quererá, será que ela quer, será que meu sonho influi? Será que meu plano é bom, será que é no tom, será que ele se conclui?" Conclui nada, mas eu penso, é de graça, é gostoso, e eu conto. Conto pq todo mundo gosta, diverte a mim, aos outros, rio dos meus próprios causos e mantenho a cebola intacta. Ninguém chora. Minha mãe diria que quem poupa o lobo sacrifica a ovelha. Mas se o homem é o lobo do homem, digo que sou eu mesma a loba de minha ovelha. Sou minha maior inimiga, e disso não abro mão.
Mas sexo verbal faz bem meu estilo. Palavras ditas, palavras ao vento, palavras que se conduzem sozinhas, que permeiam, floreiam e trazem promessas. Essa é a melhor hora: a palavra dita, a escondida, a esperada. Sim, eu acredito no verbo, sou puro verbo, vivo dele e pra ele, e sem ele nada sou. Eu sou verbo, não queiram mais de mim. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam".

Sexo verbal não faz meu estilo... Mentira! Adoro a música, mas me recuso a mentir. Sexo verbal é bom, eleva a alma de um corpo que apenas sustenta. "Não quero lembrar que eu erro também. Um dia pretendo tentar descobrir porque é mais forte quem sabe mentir. Não quero lembrar que eu minto também..."
"Mas o poeta é um fingidor! E os que lêem o que escreve, na dor lida sentem bem, não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm"


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa - reprodução










por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
João 1:1-5
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

Ele estava no princípio com Deus.

Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
João 1:1-5
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

Ele estava no princípio com Deus.

Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
João 1

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Momentos

As vezes algumas músicas representam momentos. Ao ouvir esta música pela primeira vez, senti uma certa nostalgia, uma saudadezinha de algo que nem tinha vivido, uma certa ausência dessas que todo mundo sente e nem sabe o porquê.


Acho que, no fundo, somos vazios e insatisfeitos por natureza. Arrisco a dessa vez colocar no plural e não falar só por mim. Me parece mais uma dessas coisas da natureza humana, que faz com que a Suíça tenha um alto índice de suicídios: a vida não pode ser certinha demais.
Precisamos de um contraponto, um contrapeso, uma contrariedade. A adversidade nos humaniza, nos faz acordar, sair da cama e viver. Se para tal não houver lutas, definhamos e morremos.
É, precisamos de um sofrimento. Chorar por amor, por perdas, por derrotas, por fracassos. Precisamos sofrer pra saber que estamos vivos. A depressão nos acalanta e mobiliza. É sempre no fundo do poço que encontramos o alicerce dos nossos maiores impulsos e avanços.
E músicas nos representam momentos. Nem sempre nos dizem o que querem dizer, muitas vezes nossos corações sabem dar sentidos que sentidos outros não sabem. Essa música de despedida representa pra mim, ao contrário, um momento de reinício. Claro que no final das contas faz todo sentido, um ciclo que se fecha e outro que se abre, as boas vindas sempre acompanhadas de algum adeus. O que importa é que esta despedida me traz a boa sensação de "clear day", de ar com eucalipto, brônquios expandidos. Respirem fundo, deixem o ar entrar pelas narinas, sintam a vida em cada poro: o dia nasceu! Corram, vejam as boas novas. A vida recomeça!!!
E falando em Clear Day, lembrei de Barbra Streisand. Então ambas ocuparão o post de hoje. São tudo o que sinto agora...

domingo, 4 de dezembro de 2011

Quem tem medo do lobo mal?

Predadora, eu? Li tal e, num primeiro momento, achei que sim. Depois reafirmei o que sempre soube: não, eu não sou! Eu não caço, observo. Não cerco, acompanho. Não ataco, só concluo. Não, eu não sou uma loba! Sou uma dessas forças da natureza que vez ou outra ganham uma oferenda, um sacrifício!
Deve ser isso. Fazer amor não é devorar uma presa, mas uma ritualização divina. É conectar-se cosmicamente aos deuses e esgotar todas as possibilidades físicas de prazer. Isso é êxtase: esvaziar-se até ser o próprio Universo.
Ok, ok, eu mordo, e eu domino, eu consumo por inteiro e não deixo outra escolha que não seja a de total entrega ao momento sublime de um gozo perfeito. Tenho, sim, um lobo em meu peito, fechado em convenções e segredos, escondido e revelado nos momentos de profundo sacerdócio. Mas de que é capaz um lobo qdo em seu caminho atravessa uma mulher com uma leoa em seu peito?
Divina desgraça é a mulher! Que se deixa levar, seduzir, amar, que se entrega totalmente ao sacrifício do corpo, sabendo que todo ele, e sua mente, sua alma, se encaixarão ao desejo de seu algoz.
Divina tormenta é a mulher! Seu cheiro, seu gosto que harmoniza seu desejo ao outro, que reprime seu animal, que se deixa esgotar em prazer, dor e ânsias, que pede por mais, que sabe que pode, que consegue, que tem.
Divina dominadora é a mulher! Sua dissimulação em presa, sua entrega em sacrifício. A passividade ao ser consumida por um lobo. Sua leoa ronrona caprichosa, unhas guardadas, apostos, sorridentes: hora dessas sangram! É da índole da leoa ser leoa, e todo lobo o sabe!

domingo, 13 de novembro de 2011

Vênus

Uma amiga cobrou que eu escrevesse, dias atrás. Eu disse que faria, mas que ela estava ciente de que cito pessoas em minhas histórias - fato! Acho que ela gostou, talvez também quisesse ser personagem do meu imaginário - fatos e personagens reais sempre são reelaborados em meu imaginário, ou que graça teria? Mas é fato que eu deixei passar a deixa.
Fato! Todas as vezes que deixo uma deixa passar, por mais viva que esteja naquele momento, ela se vai e não volta. Fica só um gostinho estranho, como aquele vivo sonho que temos e absolutamente esquecemos logo após acordar. Ao chegar em casa a pouco, parecia perdida, desencontrada de um sonho, de um despertar abrupto. Olhei de um lado a outro e não consegui achar o que havia de errado. Parece o jogo dos 7 erros: sofá tá estranho?, a carranca? o Gato? Até realmente estava diferente, tive visita em casa, então o sofá-cama estava fechado errado e minha cama cheia de travesseiros, lençóis e edredons. Mas arrumar tudo não me deixou tranquila, ainda estou perdida no meu próprio espaço, sem saber direito o que há e o que fazer. Às vezes isso me acontece e assusto, tenho medo de estar em pleno derrame cerebral leve e nem me dar conta. Mas passa, sempre passa!
Liguei a TV e me dei conta que deveria na verdade ligar o notebook. Liguei. Ninguém no msn, posso até ficar on line... rs. Um monte de email que nem cheguei a abrir, e um recado no twitter: dá uma olhada no meu blog. Pois não!
Alguém aqui sabe o que é fazer amor com Vênus? Eu fiz! Fiz, e só agora consigo entender um pouco do alcance do que eu tinha entendido apenas como um perfeito encaixe: o cheiro que se encaixa, o gosto que se encaixa, os sons, os movimentos, a energia que vira uma só, num desses momentos em que o tempo pára e nos deslocamos para um Universo privado e único, um lugar que eu nem sei se estive antes, e que não sei onde ou o que era.
Não, não era um encaixe perfeito que se descobria ali, gratuitamente e sem esforço. Era uma aliança que se formava. Um tratado. Sem palavras, sem expectativas, sem regras e acordos. O deus que há em mim reconhece o deus que há em ti, e era só isso: a coisa mais simples e completa que existe.
"... freqüentemente terás de multiplicar a tua multiplicidade, complicar ainda mais a tua complexidade. Em vez de reduzir o teu mundo, de simplificar a tua alma, terás de recolher cada vez mais mundo, de recolher no futuro o mundo inteiro na tua alma dolorosamente dilatada, para chegar talvez algum dia ao fim, ao descanso. O mesmo caminho foi percorrido por Buda e todos os grandes homens, uns conscientes, outros inconscientemente, na medida em que a fortuna favorecia a sua busca. Nascimento significa desunião do todo, limitação, afastamento de Deus, penosa reencarnação. Volta ao todo, anulação da dolorosa individualidade, chegar a ser Deus, quer dizer: ter dilatado a alma de tal forma que se torne possível voltar a conter novamente o todo." - de 'Tratado do lobo da estepe'.
Às vezes Sol e Lua se encontram. Por um momento se chamam Eclipse, e são um.

sábado, 17 de setembro de 2011

Dissimulando

Todos os dias ela acordava muito calada. No vaso sanitário pensava no significado da vida, no chuveiro pensava em seu dia e afazeres, escovava os dentes pensando que seria triste perde-los um dia. Nessa hora seu gato sempre a escalava, da pia para seu ombro direito, para se ver no espelho – era um gato vaidoso talvez, alguém ali deveria ser, afinal. Escovava então os dentes, descia o gato antes de ligar o secador, hora em que ele saía janela da cozinha afora para a primeira voltinha do dia – um gato muito ocupado talvez.

Antes de se vestir era sempre uma marinada básica de 15 minutos na cama. Como conceber se vestir antes do corpo realmente sair do estado de banho? Um corpo seco não depende da qualidade da toalha, mas do tempo de respiração da pele após o banho. Então era esperar o corpo secar, o desodorante secar, o perfume secar, o creme secar, o ainda cansaço das eternas noites mal dormidas secar, se conformar que era assalariada e batia ponto, que estava atrasada, se vestir correndo, deixar os acessórios esquecidos sei lá onde, e sair. Ufa! Mas sentia pena de quem se vestia no banheiro, pessoas úmidas, vaginas úmidas, cheiro de guardado, sexo ruim. Uma pena! Preferia muito mais quem esquecia de por os brincos e desistia das pulseiras. Essas sim dariam um ótimo sexo.

Talvez por isso o caminho todo ao trabalho pensava em sexo. Quantos naquele trânsito tiveram uma boa noite de sexo? Poucos, outra pena. Ela ria da sempre conclusão besta de que pessoas que fazem sexo gostoso não ficavam paradas no trânsito. Um raciocínio ilógico, dos ilógicos que sempre tem. Aí pensava na chefe lésbica que não a pegava. Tinha essa mania: chefes, professoras, qualquer uma que exercesse bem autoridade ou superior inteligência, ou os dois, a envolvia muito facilmente.

Mas mesmo que tudo pareça muito óbvio e escancarado, não era. Como saber o que ela realmente pensava? Chegava ao trabalho no horário, guardava sua bolsa, capacete, uma arrumada de cabelo no espelho do vestiário, saía. Café da manhã com as colegas, amenidades, filhos, cachorros. Então trabalho, algumas genialidades, alguns deslizes, algumas invejinhas alheias, vergonhas alheias, a certeza de um certo distanciamento.

Era esse distanciamento que matava. Uma frieza, um polimento, e ninguém sabia o que ela realmente pensava. Nada abalava: provocações, discussões, nem mesmo grandes elogios. Era mesmo uma figura muito intimidante, que gerava sempre um trato formal e grandes repercussões inamistosas. Uma dissimulada! Dissimulava seus sorrisos, suas dores, suas opiniões, dissimulava a raiva na forma de indiferença natural. Até sua loucura era dissimulada em genialidade, como seu tédio dissimulou-se muitas vezes de orgasmos. Uma personagem tão bem criada que mesmo ao se indagar onde ali estava ela, a ela não se saberia dizer. Perdida, sim, mas seguia a vida até que reaparecesse.

Voltava pra casa. As vezes o telefone tocava, saía ou ficava, era um sexo bobo, mas urgente, e era só disso que precisava. No fundo a amava muito, mas nunca admitiria. As vezes era só silêncio, palavras lidas, barulho, palavras cantadas, um certo vazio de outro dia cheio. Mas não reclamava. Vazios de dias cheios a confortavam. Era um vazio cheio de significado, como sua própria alma. E era só com isso que se identificava. Dormia, enfim, sorrindo. Um outro sono mal dormido, mas justo. Ali, enfim, tudo era perfeito!

sábado, 27 de agosto de 2011

Pílula Anticoncepcional x Máquina de Lavar

Hoje em sala de aula, nem saberia explicar os motivos sem me alongar, o que seria inclusive desnecessário, surgiu o comentário que, para muitas mulheres, a máquina de lavar é uma invenção de benefício feminino com maior valor que a pílula anticoncepcional. Concordei de cara!
Senhoras, se fosse da vontade feminina apenas transar sem engravidar, o mundo seria lésbico. Sei que muitas vão dizer que a liberdade sexual mudou o universo feminino, que nos tornamos donas do nosso corpo e vontades, que ganhamos o direito de escolha. Ora, era o objetivo feminista transar com muitos homens sem engravidar? Não creio. Aliás, creio mais que esse era o objetivo masculino: Mulheres que transam deliberadamente, sem compromisso, sem muitas vezes satisfazer suas necessidades de relacionamento, muitas vezes frustradas, mas que acreditam estar num exercício de liberdade sexual. Ponto para os homens!
Já a máquina de lavar proporcionou, como algumas outras coisas (por ex a Segunda Guerra), que as mulheres pudessem sair de casa. Podendo sair de casa, podendo trabalhar nas ruas, ganhamos a autonomia que necessitávamos para não precisar dos homens. Não precisando dos homens, podemos ser lésbicas, então pra que pílulas anticoncepcionais?
Ok, ok, paremos de campanha comprovante de que toda mulher independente hétero é burra e voltemos a máquina de lavar. O sonho feminino nunca foi ir pra balada transar com estranhos de forma descomprometida. Nosso sonho era ter autonomia dentro de uma relação e não deixar de ter uma. A autonomia nos foi garantida pela máquina de lavar roupas, que nos permite até hoje estar nas ruas sem a escravização de outros seres humanos em nossas casas. Porque ser “do lar” é ser cativa, mesmo como atividade comercial.
E era isso que eu tinha pra hoje!

terça-feira, 28 de junho de 2011

Confesso que...

Engraçado que ontem a noite mesmo tive uma idéia genial para escrever. Estava cansada, deixei pra hoje, amadurecendo, e já não sei mais do que se trata. Agora parece um dos meus sonhos onde, quando acordo, tenho tudo nítido e intenso, mas cinco minutos depois me deixa apenas uma leve sensação e a agitação de uma mente inconformada em não saber, em perder-se.
A leve sensação que tenho foi ter pensado em um mapa astral meu que li há uns dois ou três anos (nossa, nem parece tanto!). Revendo melhor a questão, era uma sinastria amorosa, onde acabo de reler os seguintes dizeres: "Vênus em Sagitário é a marca afetiva de Suzanne, que se revela uma pessoa brincalhona, inteligente, divertida, que tirará você de toda e qualquer rotina, tornando sua vida colorida de uma forma que ela talvez nunca tenha sido. Inconstante? É verdade. Mas se você souber ser uma pessoa cheia de surpresas, adepta a sair da rotina, é altamente provável que Suzanne se interesse apenas por você".
Alooou! Quem é essa? Nunca me conformei com essa análise sobre mim. Ainda que essa seja minha marca afetiva, contrária da profissional, nunca me fez o menor sentido. De tudo, o que muito me incomodava era essa forte marca sobre minha inconstância. Que inconstância é essa? Sempre fui muito constante, muito rígida, muito apegada... um sólido carvalho, enfim.
Vocês não vão acreditar no que me veio em mente ontem a noite, que era uma formação de raciocínio ótima, genial e divertida e que agora é só uma sombra de inconformismo: eu tava errada sobre mim!! Sou inconstante. Pronto, falei!
Ai, mas que alívio!! Admito que sou inconstante, que me canso fácil, que sou volátil, que acho as pessoas óbvias e desinteressantes, que mudo de opinião e de argumento para agradar a quem quero conquistar, e que desmudo apenas pelo prazer do choque e da ofensa. Confesso que sou distraída, egoísta, egocêntrica. Confesso que já provoquei zilhões de orgasmos e fingi tantos outros, porque simplesmente não vou me entregar a quem me pegou tão fácil. Confesso que enjôo da rotina, que mudo no trabalho pra poder renovar, que mudo de vida e deixo tudo pra trás. Confesso que desesperadamente tenho medo de perder minha mãe, mas não sinto falta dela como uma filha deve sentir. Confesso que não me sinto parte de grande parte do que participo. Confesso que não tenho amigos antigos, que carregamos por toda a vida. Confesso que não quero ter um carro, não leio os livros que compro, que adoro usar tênis, que não sou ambiciosa, que ainda não sei qual a finalidade da vida. Confesso que minha inteligência me deixa grande tempo ocioso, e que me sobrecarrego por sentir culpa em ter tanto tempo vazio. Confesso que sei que sou temida, por isso sou atacada. Confesso que provoco, mas tenho medo. Confesso que adoraria encontrar alguém que me fizesse realmente extasiada.
Bom, confesso que nada disso foi o que pensei ontem a noite. Ontem pensei num texto bem irônico e engraçado sobre os desastres de ser eu. Quando criança eu adorava assistir I love Lucy. Passava reprises na TV Cultura, acho. Me encantava em ver Lucille Ball errando. Adoraria viver numa comédia pastelão. Lembro de um único episódio: Lucy arrumou um emprego numa fábrica de bombons, cuja função era embrulha-los. Então a esteira ia passando os bombons e ela ía embrulhando, mas não conseguia acompanhar a rapidez, então desesperada começou a esconder bombons nos bolsos e avental. Ao chegar o supervisor, feliz com seu sucesso, aumentou a velocidade da esteira. Imagine a bagunça! Quando o supervisor voltou tinha bombom por todo o lado, ela com a boca cheia, nem conseguia falar, uma zona!
Prometo que vou começar a andar com gravador ou caderneta pra anotar as boas idéias. Confesso que minhas genialidades, meus sonhos e minhas inspirações se esvaem junto ao ar que expiro.
Sorrisos para nossas horas!

terça-feira, 15 de março de 2011

Pensando na vida!

Eu penso! Penso nas minhas escolhas, muitas vezes consideradas estranhas, aquém, perigosas, em outras brilhantes, altruístas, despojadas, excêntricas e inteligentes. Normalmente sou inteligente. Mas só normalmente, pq nem sempre sou normal.
As normalidades em si não são normais. A linearidade faz parte da evolução da vida? Não de onde posso observar. A vida cresce por adversidades. Precisamos de medo pra lutar, de dor pra reagir, e de grandes corações disparados para um belo sorriso. Por que sorrisos são ótimos, e os melhores são após as lágrimas. Tá, eu sei, eu sei, eu não choro, mas que patética não exemplar sou eu, não? Que tipo de crescimento tenho desse não choro? Triste pensar na minha não evolução através da falta de lágrimas e seu consequente sorriso morno.
Tenho pensando nas escolhas que fiz, nas vísceras que tive (tive muitas), na paixão que me impulsionava, nas ideologias, nas conquistas, na satisfação de que fazia o bom, bem e certo. Tenho pensando em meus motivos. Quando esquecemos os motivos, temos sentido?
Lembrei de algo que escrevi em 2005, pouco antes de mudar pra São Paulo. É um conto, e não importa mais se há realidade nisso. Mas lembrei dele há pouco, e acho por bem compartilhar.
Sorrisos para nossas horas!

Da perfeição ao desastre.

Hoje, 04 de junho de 2005, Sábado, às 17h, matei Tâmisa. Dos três lindos e intensos anos em que viveu, dois passou doente. Não tinha cura e os remédios eram só para prolongar a vida e evitar sofrimento. Ainda assim, ela era de uma felicidade única: sempre correndo, pulando, brincando, sorrindo.
No entanto, aqui na casa de minha mãe, assim como eu, ela não foi muito bem aceita. Tinha medo do meu irmão e ficava por horas escondida debaixo da minha cama. Depois passou só a comer no meu quarto e, preferencialmente, comigo na cama.
Viajei no feriado e, estendendo-o por quase uma semana, tive o melhor momento de minha vida. Dias em que vivi a perfeição. Ao voltar, como uma prova de que a vida é formada de oposições, tudo estava ruindo. Tive assim os climax da minha vida: positivo e negativo, tudo ao mesmo tempo.
Veterinários chamam o procedimento de eutanásia. Para a cachorra pode ser. Pra mim, será sempre sacrifício. Se não do animal, que seja do dono. Tâmisa agora descansa. Mas eu nunca vou esquecer. Uma injeção e ela, nos meus braços, adormece. Outra em seguida e o tempo parece parar. Eu ainda a olhava e a tinha com a cabeça no meu braço quando ouvi a confirmação do óbito. Estranho e rápido.
Fui enterrá-la e fiquei com ela nos braços, depois de cavar e cavar sozinha. Aninhei-a em mim, o corpo desfalecido, e pedi desculpas. Seus olhos não fecharam e, sinceramente, sentia que ela me perguntava o que tinha feito de errado. Velei seu sono, a morta ali era eu. Quando vi que a noite não me deixaria terminar o ato, enterrei Tam. Um amargo pôr do Sol pra nunca esquecer. Seus olhos eu cobri com as lindas orelhas caramelo de cocker.
Fechando com chave de ouro, em casa minha mãe chorava, dolorosamente. A vida é mesmo cínica.
Luto para minhas horas!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Válvula Trim

Hoje foi dia me remexer, mexer, guardar e enviar muitos dos processos de 2010 e, por fim, passar a régua. Abri e fechei colchetes, empacotei, xeroquei... Desastre: abrir colchetes, vários, de unhas compridas, causa acidentes um tanto quanto doloridos. Colchete é uma coisa que entra por debaixo das unhas: anotado!!
Por fim, depois de um ano de esforços, suor e lágrimas (bom, vcs sabem que lágrimas nunca rolam e que exagero aqui), hj recebi o tão sonhado reconhecimento profissional (já é um dos degraus que devo subir pra voltar onde estava ano passado, e subir um pouco mais... rs). Então tive um quase dia feliz, não fosse o fato de que pessoas que amamos se magoem quando dizemos uma honestidade, e nos cobrem honestidades que não daremos mais, pra que não acabe em briga maior. O resultado disso é ser provocada, ofendida, rejeitada até o último grau da dignidade, como se isso fosse me fazer mudar um não para um sim. Não, eu não vou dizer pq eu disse aquilo, não saberia explicar. Não, eu não vou ficar brigando com vc me explicando sobre uma opinião que não vou mudar e que vc não concorda. Sim, pode extravasar sua raiva fazendo com que eu fique tão ofendida e magoada qto vc ficou: rebaixado já está, não importa mais quanto mais baixo fique.
Voltando a parte boa da vida, to lavando louça, mantendo as unhas vermelhas. Um avanço! Bom, um pequenino avanço, considerando que estou com os dedos doloridos por conta dos vários acidentes com colchetes. Ademais, volto atrás: não, não quero ser passivinha. Algo em mim tem exigido certo senso prático, uma mão na massa, um bota pra quebrar. E não creio que minhas conquistas vieram pelas unhas, mas justamente pelo senso prático empenhado (mas será?).
Enfim, dizem que devemos estar sempre preparadas: nada de sair de casa de calcinha velha, sem depilar, ou ir à padaria de pijamas. Nunca sabemos onde vamos encontrar o "sei lá o quê". Por tal razão, acrescentei à minha bolsa o cortador de unhas. Todos precisamos de saídas de emergência, de uma válvula de escape... eu agora tenho a válvula trim.
P.S. Lambão deita em cima de mim, ombro a ombro. Ele dorme muito pesadamente. Qdo esquenta demais, eu o tiro, impaciente. Acordado, ele acaba por fim saindo pela janela da cozinha, pra dar uma volta. Às vezes volta pro quarto entre miados de profunda indignação, que eu quase entendo, mas não, adoraria!